terça-feira, 18 de março de 2014

Como fazíamos sem

 

como-faziamos-sem-barbara-soalheiro-9582-MLB20017858501_122013-FCada vez mais estamos com nossa vida atrelada a equipamentos eletrônicos. É só ter uma queda de energia qualquer e as pessoas já se desesperam. Você sabe como vivia sem celular ou computador, pois provavelmente já viveu sem essas coisas. Mas e sem máquina de lavar? E sem luz elétrica? E como o ser humano vivia sem escova de dentes? E sem chuveiro? E sem palito de fósforo? E sem talheres? E sem ventilador? Falar um pouco da vida e dos hábitos de antigamente é a proposta do livrinho “Como fazíamos sem”, da jornalista Bárbara Soalheiro (editora Panda Books). O livro ganhou o prêmio Jabuti em 2007, então imagino (ou espero) que alguém tenha checado as informações que ela apurou…rs.

O livro é, em tese, infantojuvenil. Mas adultos curiosos, como eu, certamente vão gostar. A história de coisas corriqueiras nos ajuda a entender melhor o mundo e as pessoas. E é uma pena que, em nossa cultura de correria maluca em direção a lugar nenhum, isso esteja se perdendo.

São historinhas curtas sobre como fazíamos sem coisas que usamos no dia a dia, como geladeira, fósforos, elevador, telefone, etc. Ao ler sobre como era a vida das pessoas naqueles tempos, você se dá conta do quanto as coisas que fazem parte do nosso dia a dia interferem em nossa vida. Você certamente vai valorizar mais o que tem e talvez retome alguns hábitos passados que eram bem mais saudáveis.

Não sei até que ponto o “desenvolvimento” que tivemos da Revolução Industrial até aqui (se você reparar, no livro quase tudo o que existe e que faz nossa vida ser como ela é, foi criado depois da Revolução Industrial) pode realmente ser chamado de desenvolvimento. No entanto, é inegável que algumas comodidades que hoje fazem parte do nosso cotidiano mudaram a vida da sociedade. Nos deixaram mais preguiçosos também, sem dúvida.

Eu me lembro de quando a geladeira da minha avó estragou. Ela ficou indignada de pagar pelo conserto e decidiu esperar o início do mês para consertá-la. Disse: “eu vivi muitos anos da minha vida sem geladeira, não dependo dessas coisas.” Uma semana depois, lá estava ela justificando o fato de ter ligado para o técnico: “Não sei como vivi tantos anos sem geladeira!” Minha mãe conta que as pessoas compravam gelo do “geleiro”. Não sei exatamente como esse cidadão fazia gelo no Mato Grosso…rs. O livro só fala de gelo nos locais em que havia neve. Mas minha mãe também conta que na fazenda, antes de  se casar com meu pai, eles conservavam coisas  em latões . Eca! Pior eram os doces, que emboloravam e minha tia (também na fazenda) tirava o mofo da parte superior e servia o restante… hoje sabemos que isso é perigoso, pois as toxinas dos fungos penetram no interior dos alimentos, mesmo onde eles não são mais visíveis. Então, não adianta só tirar a parte embolorada. Mofou, tem que jogar o troço fora, mesmo. Bendita geladeira!

Acredito que seja extremamente importante saber como as coisas eram feitas e como era o comportamento e pensamento das pessoas antigamente. Assim, a gente evita cometer os mesmos erros que quem veio antes da gente cometeu. E também evita desconsiderar os acertos… aliás, muito do que está errado no mundo hoje em dia vem justamente de termos desprezado as coisas boas que eram feitas no passado…

Algo importante: mesmo em livros mais curtinhos, você tem que pensar, meditar sobre cada coisa que lê. Livro não é como TV, que simplesmente te empurra goela abaixo o que você está assistindo. O legal do livro é conversar com ele, questionar, pensar além do que está escrito. Por isso às vezes viajo nesses meus comentários sobre os livros que leio e indico (ou os que não indico, também…rs), porque o livro nunca é só o que está escrito.

Uma coisa que não é muito explorada no livro, mas que meu cérebro acaba explorando ao ler um parágrafo que seja, é a ignorância causada pelo pensamento religioso. É bom ver qual o tipo de burrice causado pelo uso do nome de Deus sem inteligência.

“Talheres eram tão caros – e, por isso mesmo, valiosos – que apareciam nos testamentos de pessoas ricas. E garfos, que hoje nos parecem tão inofensivos, chegavam a ser malvistos pela Igreja. “Deus, em sua sabedoria, deu ao homem garfos naturais – seus dedos. Assim, é um insulto a Ele substituí-los por garfos de metal”, escreveu um padre italiano no século XI, ao ver que a esposa do governante de Veneza tinha o “estranho” hábito de não usar as mãos durante as refeições.”

Ou seja, se dependesse de certas instituições, estaríamos até hoje comendo com as mãos…

No entanto, as recomendações de Deus quanto a higiene e alimentação mantiveram Seu povo muito diferente dos outros povos da terra – e bem mais saudável. Isso é a fé usada com inteligência. Geralmente nos leva a contrariar o senso comum da época. Até pouquíssimo tempo, tomar banho, por exemplo, era malvisto pela maioria das culturas.

“(…) fugir das banheiras era recomendado como uma medida de higiene. Outra crença dizia que a água amolecia o organismo e impedia o crescimento. Assim, crianças eram frequentemente impedidas de entrar no banho até certa idade. Mas nem adianta usar essas desculpas para driblar os gritos da sua mãe mandando você entrar no chuveiro. Hoje, sabemos que essas crenças não têm lógica alguma. Aliás, a equação funciona ao contrário: banhos ajudam a evitar doenças. A falta deles é apontada, por exemplo, como o principal motivo para que a peste negra tenha se alastrado na Europa no século XIV. Na época, como ninguém se dava conta dessa obviedade, a culpa da epidemia, que matou 25 milhões de pessoas (um quarto da população europeia), recaiu sobre leprosos e judeus. No caso dos judeus, há quem diga que a recomendação religiosa de tomar banho pelo menos uma vez por semana e lavar as mãos antes das refeições mantinha-os menos sujeitos à peste. Como não eram contaminados, passaram a ser vistos como responsáveis pela disseminação e acabaram sendo queimados durante a Inquisição. Ou seja, eles escaparam da peste, mas não da morte.”

Mais uma vez, a ignorância religiosa em ação.

Algo que achei importante também é ver como uma pequena mudança pode transformar vidas:

“Quando a luz elétrica se espalhou pelo país, os acendedores de lampião não foram os únicos a desaparecer. Também sumiram o fogão a lenha, o ferro a brasa, as lavadeiras nos chafarizes, o banho frio… A vida de todo mundo foi completamente transformada pela invenção do americano Thomas Edison. Morar, comer e cuidar da higiene se tornaram tarefas muito mais confortáveis.”

Thomas Edison inventou a lâmpada, não a energia elétrica. A eletricidade foi descoberta uns mil e duzentos anos antes de Edison nascer, por Tales de Mileto. E já era usada antes de Thomas Edison pensar em vir ao mundo, tanto que ele mesmo inventou algumas máquinas elétricas antes de inventar a lâmpada incandescente. Porém, as redes elétricas não existiam no Brasil antes da lâmpada vir para cá. Elas foram instaladas em massa com a intenção de facilitar a iluminação, mas possibilitaram a instalação de eletrodomésticos e de uma porção de quinquilharias eletrônicas que a gente tem em casa hoje.

Uma das coisas que acho mais interessantes ao analisar um livro desses é que a ideia que se tem é como se tudo o que temos e fazemos hoje fosse o ápice da evolução da espécie. Algo como “olha como éramos primitivos antigamente. Ainda bem que finalmente descobrimos a forma certa de se fazer as coisas!” No entanto, se você analisar direitinho, vai perceber que naquelas épocas passadas, as pessoas também acreditavam que haviam descoberto a forma certa de se fazer as coisas! Ou seja, muito provavelmente ainda sejamos medonhamente primitivos em muitas coisas sem sequer nos darmos conta.

Isso faz com que você comece a olhar ao seu redor de outra forma. Será que a maneira de nossa sociedade entender o mundo, de agir, de fazer as coisas, é realmente a melhor? Será que as lutas em que as pessoas estão tão engajadas, tentando ajustar nossa cultura a uma nova forma de entender os relacionamentos, são, realmente, tão certas e justas assim?

O que a História diria de nossa época, caso o mundo sobrevivesse para contar a nossa história?

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